segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

GRAÇA E PAZ


O ser humano se eterniza quando desenvolve a sutil capacidade de se afastar do relógio. Que em 2013 consigamos ir além das atividades da vida diária e, pelas nossas ações, tornemos eterna a experiência de viver.


domingo, 2 de dezembro de 2012

A Anatomia do Corpo Ocupacional - Occupational body


Ainda que a Classificação Internacional de Funcionalidades represente um avanço na descrição dos estados de saúde e dos relacionados à saúde, uma boa parte de seu conteúdo orienta o usuário para uma espécie de anatomia funcional[1] que empurra o projeto de descrever a situação real de vida para longe de sua pretensão última que é observar a totalidade da pessoa.


Há uma dificuldade natural de integrar, por exemplo, a fisiologia, a psicologia, a anatomia e os aspectos sociais e culturais contidos na vida ativa e participativa. Trata-se de um projeto que pode ter como resultado a descrição de Frankensteins, isto é, o projeto CIF, sem o devido cuidado, pode acabar por descrever uma espécie de ser funcional que sofre com a falta de experiências produtivas de indeterminação (Quem sou eu? O que estou fazendo?), ou melhor, de individualidade (singularidade). De outro modo, o resultado é um corpo funcional “desalmado” sem a graça da vida.


O poeta Vladimir Maiakóvski no seu poema intitulado ADULTO versa, a meu ver, sobre como é, ou pelo menos deveria ser, uma anatomia do corpo ocupacional. Diz ele no trecho que segue:

“Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração - em todas as partes palpita.”

Um corpo que embora seja funcional está para além da função; um corpo que embora seja funcional está para além da classificação... ...um corpo ocupacional - a anatomia do desejo.

Mario Battisti



[1] Impressão que decorre da minha observação de sua utilização.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Narrativa e Terapia Ocupacional




Na Terapia Ocupacional o sentido da Ocupação se desenha, ao mesmo tempo, como “fazer algo” e “existir/permanecer em algo”. Fazer coisas, permanecer nelas e no mundo expressam a incessante busca do ser em oferecer propósito e significado à sua experiência cotidiana; à sua existência.
Essa afirmação, contudo, diz de um sujeito epistemológico; um sujeito teórico (paradigma). O sujeito epistemológico é um referencial teórico, ele é o expediente científico por meio do qual balizamos a nossa prática clínica. Ele possibilita a explicação (papel da ciência) dos fenômenos próprios da humanidade. Portanto, ele é o sujeito unívoco, isto é, no qual restam reduzidos os demais (os outros todos). Ao contrário, a pessoa que se socorre do cuidado do Terapeuta Ocupacional é o sujeito equívoco, isto é, a pessoa prenhe de incertezas, imprecisões e de buscas particulares. Trata-se de um ser na constante e laboriosa construção de sua própria história; sua própria narrativa ocupacional.
O sujeito epistemológico orienta a condução do cuidado da pessoa, mas a pessoa não pode ser confundida com esse sujeito epistemológico. De outro modo, pode-se dizer de uma “anatomia ocupacional”, isto é, de uma ciência que se vale de um sujeito ficcional para articular o conhecimento sobre a ocupação humana e guiar os raciocínios clínicos, mas não é dele que se trata/cuida. O perigo reside em tomar a pessoa pela ficção e cair na tentação de cuidar do sujeito epistemológico projetado na pessoa humana. O sujeito epistemológico não é possuidor de uma narrativa, ele é desprovido das imprecisões da equivocidade do sujeito real.
Na clínica centrada no cliente há uma excepcional supremacia da pessoa sobre o sujeito epistemológico, uma vez que na repriorização do setting terapêutico ocupacional tem-se a aparição da narrativa ocupacional. Daí a importância da ciência explicativa que tem origem na clínica compreensiva.
Ele fez [...] ele permaneceu [...] ele disse [...] houve vazio de fazer [...] um trecho da vida [...] álbum de fotos [...]
Mario Battisti

sábado, 13 de outubro de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O corpo é ocupacional para satisfazer-se com a busca de satisfação

Já se tratou, em boletins anteriores, de refletir acerca do que se pretende dizer quando se afirma o conceito de saúde funcional bem como o de contrato natural que o corpo humano mantém com o mundo da vida. Esse contrato, em última análise, desvela a situação do humano no mundo, no palco existencial, o que significa, sobretudo, um corpo para um conjunto de tarefas, um corpo em função da realização de algo, que funciona de tal sorte a garantir, em cada ato, a sua permanência, a sua manutenção no mundo da vida (saúde = salus = salvação). Dessa forma, o corpo é uma organização viva em sentido amplo que pretende a referida manutenção em duplo movimento, isto é, a manutenção da presença e da satisfação com a presença; em apertada síntese significa: obter satisfação ao satisfazer as necessidades da presença, donde se conclui que o corpo se ocupa, à prima face, de si próprio e faz de cada ato uma concretização, uma objetivação do seu sentido de ser. Cada tarefa está para a satisfação do referido sentido.
Senão! Poeticamente vêm as perguntas – “As mãos! Ora para que as mãos? Qual o seu sentido? Qual a razão para tanta sensibilidade? Para que movimentos tão refinados? Mãos! Ora para que mãos tão articuladas e repletas de tantas possibilidades se para elas o destino, a finalidade já não estivesse traçada, se já não houvesse uma prescrição natural para essa tão avançada tecnologia. As mãos humanas estão a serviço da intenção de ser e permanecer no palco existencial.
Assim, da mesma forma, cada parcialidade do corpo humano articulada numa totalidade, que é mais que a soma das partes desse corpo, representa essa necessidade primordial de ser e permanecer. De outro modo, pode-se afirmar que os verbos ser e permanecer, que denotam um sujeito de estado, reclamam, para a manutenção dessas condições (estados), verbos do tipo fazer, isto é, pegar, agarrar, soltar etc. Portanto, o sujeito do fazer realiza o sujeito de estado e quando ambos recaem sobre a mesma pessoa tem-se a aparição do sujeito reflexivo.
O corpo (substantivo = substância) ocupacional (adjetivo = atributo) é um conceito sintetizador desse contrato natural entre o existente e o mundo das coisas. O corpo é funcional para salvar-se e ocupacional para além da salvação (transcende a salvação), para uma envergadura existencial mais ampla que a que reside nas funções, isto é, o corpo é ocupacional (contém atributo) para exercitar o seu sentido de ser; satisfazer-se com a busca de satisfação.

Mario Battisti